segunda-feira, 22 de abril de 2024

Santas Regras de Atitudes Comportamentais Salomonitas (*) Para os Irmãos e Irmãs Salomonitas

 

(*) Estas Santas Regras foram compostas e assumidas sob juramento pelo Venerável Reverendo Salomão Barbosa Ferraz, Pastor Cristão Presbiteriano em 04/12/1902, e observadas por toda a sua vida, até a sua morte em 1969, enquanto Superior Geral da Ordem de Santo André e estando sob a Jurisdição da Igreja de Roma como Bispo Auxiliar de São Paulo e Titular de Eleutérnia. – Atualização em língua portuguesa do Brasil em 2023 - Dom Felismar Manoel


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1.0 - Regras de Vida e Comprometimento Social


O Rev. Salomão Barbosa Ferraz, Pastor Presbiteriano, em 04/12/1902 jurou observar estes princípios em toda a sua vida, tendo-os cumpridos até sua morte em 1969, e são propostas como orientações para as atitudes comportamentais de todos e todas que assumem conviver conforme o carisma de seu apostolado unionista cristão credal apostólico, tanto na vida pessoal, como pastoral, social e espiritual, para a construção de um mundo melhor, digno do Reino da Boa Nova, conforme propõe o seu Credo Social.


1.2 – Regras de Vida - Ter atitudes comportamentais em quaisquer ambientes em que se encontrar, conforme segue:


I – Acolher com reverência e amor as orientações das Sagradas Escrituras do Velho e do Novo Testamentos, contextualizadas com os Santos Evangelhos de Jesus Cristo, tendo este como bússola para a vida e as práticas religiosas e espirituais;


II – Praticar a oração como um dever na vida, buscando seguir os exemplos de Jesus Cristo e dos seus apóstolos (Luc. 6: 12; Atos 6:4);


III – Não fazer comentários sobre as coisas que excitam e impressionam de modo pessoal, primeiro conversar sobre elas com Cristo em colóquios de oração;


IV – Não praticar o que excita a sua vaidade pessoal, ou desperta o seu desejo de reconhecimento, salvo se for absolutamente indispensáveis ao cumprimento do dever;


V – Não cultivar alegria em qualquer bem terreno, sem antes reconhecer nele a dádiva de Deus, tendo um coração agradecido;


VI – Não cultivar má vontade, nem indisposição, nem causar prejuízo para com ninguém e assumir como dever supremo, manter-se acolhedor, com boa vontade, coração compassivo e com lábios anunciadores das boas palavras.



1.3 – Comprometimentos Sociais – Assumir este Credo Social em união com todos como uma práxis, capaz de produzir uma harmoniosa convivência social e natural entre os seres vivos e um mundo melhor para toda a ordem da criação de Deus:



I –Empenhar-se nos votos de lealdade ao Senhor Jesus Cristo, ao seu Império espiritual e social, buscando a restauração de tudo em seu amor na Amada Pátria Brasileira ou quaisquer outras nações acolhedoras;


II – Comportar-se enquanto crente fiel a Jesus Cristo, buscando viver à vista de Deus, em comunhão com a irmandade dos humanos, todos os santos, anjos e criaturas de Deus; com a Igreja Universal, visível e invisível, de todos os tempos, no passado, no presente e no futuro, pondo-se como honrado/a e feliz nessa solidária e fraternal companhia;


III – Reconhecer e confessar sempre a paternidade de Deus para toda a ordem de criaturas existentes, como a origem de todas as coisas e também da humanidade, sendo todos nós, portanto, irmãos de origem de todas as criaturas de Deus, sem impedimento de raça, de nacionalidade, de classe, de gênero, de identidade e de credo, ou outras singularidades;


IV – Reconhecer que os mais pequeninos e humildes membros do gênero humano, são os que merecem maior cuidado e solicitude de seus irmãos;


V – Empenhar-se para que não falte aos seres humanos, nem o trabalho honroso, nem o pão de cada dia, nem o agasalho, nem a moradia, nem a educação, nem a saúde, ou quaisquer outras coisas que imponha o respeito à dignidade da pessoa, para que todos cheguem a Deus, a Fonte Suprema da Luz, do Amor e de todo o Bem;


VI – Empenhar-se para que o mal seja banido do mundo e que as bençãos temporais e espirituais da vida sejam partilhadas por todos os seres humanos na face da terra em paz e solidariedade com todas as criaturas de Deus na ordem da criação em nosso planeta;


VII - Confiar sempre na força do Senhor Jesus Cristo para cumprir tais propósitos, buscando e promovendo a união com todos quantos confessam o Santo Nome de Deus e Jesus Cristo, nosso Irmão, Mestre, Senhor e Salvador.


1.4 – Testemunhar a Sagrada Fé Cristã Credal Apostólica, conforme segue:


I – Praticar um Catolicismo autêntico, acolhedor, vinculado à Sucessão Apostólica, que oportuniza a salvação eterna para quaisquer tipos de pecadores, disponibilizando a todos e todas os sete sacramentos e demais riquezas espirituais e litúrgicas do Ministério Cristão, voltado para Deus, para os seres humanos e para as Pátrias ou Nações onde estiver em atividades pastorais e espirituais;


II – Manter-se como movimentos apostólicos ou institucionais autônomas, livres de quaisquer tutelas políticas, tanto nacional como de sedes estrangeiras, com independência para agir tão somente, em Nome de Jesus Cristo, o Santo Alforriador, Chefe da Santa Igreja Católica Apostólica no mundo, conforme as legítimas tradições apostólicas e de santos padres, tendo os Santos Evangelhos como bússola norteadora de dúvidas e dissenções.


Dom Felismar Manoel – Abuna do Ancianato do Monastério Sagrada Compaixão. Duque de Caxias, RJ

sábado, 5 de março de 2022

O Povo Pury – Seus Três Subgrupos

  Nhãmãrrúre Stxutér / Felismar Manoel

Quando de nossas instruções infanto juvenis sobre histórias de ancestralidades, vivendo nas aldeias rurais (ambó goára), recebemos informações de nosso Opê-Antár (maior autoridade da aldeia), do Opê-Tarré (preceptor na formação infantil) e dos mais velhos em geral, de que o Povo Pury há muitíssimo tempo passado, vivia com o Povo Goitaká e que de entre eles saíram três grupos familiares tornando-se o Povo Pury, por discordarem de outras condutas e se constituírem em gente mais bondosa, desconfiada e observadora (definição de pury), diversa dos demais, sempre se esforçando para ser fiéis às exortações de três Môdeuá-Lamãe (Entidades criadas por Dokóra) vindos do mundo dos Encantados de Dokóra, tornando-se enquanto povo, guardiães de suas sabedorias nas comunidades onde vivem. Assim surgiu o Povo Pury, distinto como nação (Antxíkaré), distribuídos em tribos (Txeminára) com diversas aldeias (tistxóre-goára e ambó-goára), conforme foram crescendo e se espalhando as famílias (arekím-teké) pela terra (Utxô), formados em três subgrupos intra étnicos, como segue:


1 – Pury Sabonã, os guardiães dos encontros festivos, orientados e protegidos pelo Grande Espírito Sabonã (Deuá-Lamã), que tem como seu animal simbólico a borboleta (simpreú), povo alegre e que tem alta aptidão para organizar e bem dominar as celebrações dos festivais e encontros festivos do povo em geral durante o ano.


2 – Pury Uambóri (Uã+bó+rri), os guardiães da fertilidade do solo e do bem-estar dos viventes, sendo orientados e protegidos pelo Grande Espírito Uã/ Uán (Deuá-Lamã), tendo como ente simbólico a árvore, que tem suas raízes no solo, o seu tronco no ar e suas folhas expostas ao sol e voltadas para os céus; povo reticente, com desenvolvida aptidão para o cuidado e cultivo do solo e uso dos vegetais para a saúde da terra e a manutenção do bem-estar dos seus ocupantes. --- Uã = Deuá-Lamã; bó / ambó = árvore; rri = fertilidade --- O meu clã pertence a este subgrupo, sendo meu tronco familiar depositário das responsabilidades na proteção das raizes (kaiá).


3 – Pury Xamixúma, os guardiães da proteção das cobras, sendo Xamú o Grande Espírito protetor das cobras (Deuá-Lamã), tendo como animal simbólico o Urutú Cruzeiro. Quando os homens se embrenham nas florestas em atividades de caça, algumas mulheres se preparam para acompanhá-los, pintando em seus braços a cobra, sendo as mediadoras para protegê-los dos ataques das cobras em geral. --- Há uma crença que a cobra Tótem (Urutú Cruzeiro), quando em presença dos raios da luz solar, produz um reflexo luminoso capaz de desnortear as mulheres virgens, por isso só as casadas podem acompanhar os homens na caçada.


Além da divisão intra étnica dos pury, por vezes se ouvia uma divisão um tanto pejorativa, feita pelos partidários dos invasores europeus, pretensamente como se fossem sábios: classificavam os pury de estatura mediana como puri, os de baixa estatura como puri mirim e os de mais alta estatura como puri açú.


O povo pury considera a mulher como a matriz principal constituinte da etnia pury, mas integra com muita boa vontade os homens de outras etnias que se casam com mulheres pury, após demonstrem ações afirmativas da cultura pury. Isto fez surgir entre os pury os conceitos de branco pury, preto pury e muito provavelmente o pardo pury, naturalmente frutos da influenciação euro cultural da convivência na terra violada pelos invasores. O povo pury adotou a palavra “bugre” para identificar as pessoas de caráter duvidoso, ou mesmo de mau caráter, nas quais não se deve devotar confiança, como também a palavra “goianá” para identificar a pessoa que se comportava como verdadeiro amigo de pessoas de outras etnias (estrangeiras), bem como a palavra “guarú” para identificar os indígenas que eram retirados de seus habitats naturais e trazidos para outras localidades, fazendo deles verdadeiros “estranhos no ninho”. Muitas coisas mentirosas se falaram e escreveram sobre nós pury, mesmo se apresentando como os sábios da época; não havia nenhum compromisso com a alteridade _- fundamento essencial da antropologia – falavam sobre nós sem ser um de nós, nem conviver conosco, ignorando o fato de sermos uma cultura construída e sustentada na oralidade por muitos e através de longo tempo; o que viam em suas visitas e ouviam de nossos falares e fazeres, eram relatados conforme interpretados por suas consciências pessoais, demonstrando uma preocupação de apresentar algo para quem lhes dava sustentação aqui em terras de Pindorama e talvez receberem láureas acadêmicas na Europa. Não são confiáveis para mim. Onde ficaram as observações participativas dos estágios de convivência de todo esses tais relatores? Tem sido transformados os relatos de curiosidades reveladas como se fossem estudos científicos. Os pury de nossa região, principalmente de Ubá, Visconde de Rio Branco, São Geraldo, Guiricema e Guidoval, aprenderam a fazer troças na hora de explicar as traduções, quando desconfiavam que tais interlocutores não eram intencionados corretamente. Aqui cabe uma interjeição pury: Âtxe! Até quando vai durar essa lenga-lenga! - Em 05/03/2022 -

Nhãmãrrúre Stxutér / Felismar Manoel -


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

3 - Memórias Pury – Gemúmae Pury - Pai Nosso Pury – Pantxarré Pury

 

Lembranças de minha aldeia rural / Gemúnae unhúm birruã ambó-goára (gaambó-goára).


Memórias da Aldeia Rural Pury de Fazenda dos Gregórios em Cruzeiro, Distrito de Tuiuitinga(**), Município de Guiricema, Zona da Mata, Estado de Minas Gerais, Brasil.


por Nhãmãnrure Stxutér Pury (*)

(Felismar Manoel)


(*) O texto pury está escrito conforme a pronúncia percebida, usando os recursos do português brasileiro; (**) O povo pury pronuncia TUIUITINGA (tuiu ou tuim = periquito - pássaro verde - , e itinga = lugar preferido por esses pássaros.



Pai Nosso na versão pury – Pantxarré Pury – Uma apropriação adaptativa das ideias cristãs populares pelos puris de segunda e terceira geração.



1.0 - Uma observação preliminar – Minha bisavó era gente originária da floresta, conhecida entre seu povo pelo nome de Perruã, que foi capturada pelos brancos invasores na infância, por fazendeiros portugueses nas florestas das margens do Rio Pombos, sendo batizada por seus algozes com um nome cristão, que ela nunca aceitou, passando a se identificar como Indira Pury, por observar que havia certo fascínio das gentes da fazenda por esse nome (de origem indiana creio), que traz o significado da beleza da água da chuva; ao atingir a puberdade foi dada em união ao escravo africano da fazenda, que também não aceitara seu nome cristão imposto pelo batismo, e referia a si próprio como Tongo Mina, tongo com o significado de homem honrado entre seu povo étnico mina da África.


1.1 - Com a libertação dos escravos, saíram dos domínios da fazenda de seus algozes, e moraram inicialmente nas cercanias do lugarejo chamado cidade de Pombas atualmente; dessa união o casal teve três filhos, surgindo a primeira geração pury da minha linhagem de ascendentes: Deco Pury, Maria Graciana (minha avó materna) e Juca Pury, todos sendo batizados no catolicismo da época, sendo criados entre duas posições culturais em conflito: uma cultura católica portuguesa brasileira que falava de bondade, mas que agia de modo desrespeitoso e descaridoso para com os povos originários das florestas e com os escravos e seus descendentes, e por outro lado, não tinha facilidades de praticar os valores étnicos e culturais, nem dos povos das florestas, nem dos povos africanos. Suas culturas étnicas eram sufocadas por estratégias dos invasores brancos, com respaldo do clero do catolicismo romano, que viviam à sombra dos poderosos poderes políticos e econômicos dos invasores dominadores.


1.2 - A minha vó materna Maria Graciana casou com um cidadão português de nome Juaquim Soares de Souza (Lima) – este se apaixonara pela medicina natural pury e se tornou homeopata pury sistematizando o seu repertório homeopático – e dessa união surgiu a segunda geração pury de minha ascendência, por seus filhos: Sonito Soares, Elmira Soares, Carolina Soares, Salvina Soares, Maria Soares (minha mãe) e Arquimedes Soares; esta segunda geração pury passou por uma educação e instrução piedosa, reverente aos valores espirituais, mas nefasta, pois negava valores e altaneiridade aos conteúdos do povo pury, considerando-os pessoas inferiores, simplistas e bobas, negando condições de sua manutenção e continuidade enquanto sujeitos étnicos, inclusive com denodado esforço de apagamento de seus falares e modos de vida.


1.3 - Minha mãe, Maria Soares , uma pury de segunda geração, portanto, teve seu primeiro casamento, e dele teve quatro filhos: Onesta, Nair, Omiro e Carlita, ficando viúva ainda jovem, casando-se em segundas núpcias com meu pai, Felicio Manoel Julinho, descendente de troncos italianos, (também viúvo com cinco filhos: Maria, Luzia, Alverina, Alvenira e José) e dessa segunda união nascendo mais seis filhos: Messias José, Joaquim, João, Edes, Felismar (eu) e Sudário, constituindo esta a terceira geração pury, na qual me incluo.


2.0 - Vale observar que, enquanto a segunda geração pury assimilava os valores da cultura e religião católica dos brancos invasores, tornando-se uma população “caipira”, de certa maneira dócil em seu apagamento das origens, constituía-se instrumento útil às manobras de hegemonia dos algoses brancos invasores – com surgimento de alguns raros jovens destemidos e prudentes conservadores da herança étnica pury, - já na terceira geração começou por surgir bom número de jovens, como um povo desconfiado das posições dos brancos invasores, e da massa popular que se formava em seu apoio e dependência; os resultados das estratégias adotadas pelo terceiro encontro de lideranças pury da região, (em 1903), começaram a surgir de modo efetivo, unindo esforços e apoios de alguns remanescentes dos povos originários como fontes de memórias e saberes (de modo prudente), mais outros da primeira e segunda geração, assumindo postos de serviços dos brancos (onde podiam trazer alguns benefícios à etnia), e valendo-se dessa posição “privilegiada”, fazer o que tivesse ao alcance em favor dos valores culturais e espirituais do povo pury originários das florestas. Foi assim que surgiu a versão do Pai Nosso Cristão, adaptados aos modos de ser pury, que abaixo resgato para nós.



3.0 - Pai Nosso

(versão nos falares pury da minha região)



1 - Deuá Lamã Dokóra!

Grande Espírito Dokóra!

Pantxarré unhúm okóra txaé.

Pai nosso no céu viver

2 – Tanú diémandjira,

Santificado seja o seu nome,

3 – Tiatapã diémapúia

Seja feita a sua vontade,

4 – Kará plêuake utxô, aloú kagrána okóra.

Aqui na terra, como no céu.



5 – Parrín panké ungepompá linaká operára,

Hoje nos dá o alimento de todos os dias,

6 – Tekuá karrón panaréten moiamá,

Perdoa (apazigua) nossas dívidas,

7 – Kará plêuake pantekuá karrón

Assim como perdoamos

8 – Terrón panké aréten mioamá,

Aqueles que nos devem,

9 – Pantekondé unhún kandé kaiuáne,

Nos guarde de cair(quebrar) nas trapaças,

10 – Makín pantakín unhúm ukandjeriká.

Mas nos livre das maldades e misérias.

11 – Gandeú taperéluá diédaitxé,

Porque de direito é seu tudo,

12 – Tamapú, kansú unhúm monekroión.

A honra, o poder e a glória.

Tekuára-sú! Tekua-sú!

Paz natural (diversas em harmonia)! Paz!



3.1 - Observação – Em alguns contextos ou contingências vivenciais, alguns pury tinham que irem à Missa (Mánge Uipangé), frequentar o catecismo (Arizar-txina) e às vezes tendo que confessar (Perembó) com o padre (Oaré-Terengambô). Por isto o interesse na versão construída conforme a consciência pury. Muitos padres não sabiam a língua dos pury e não percebiam a versão adaptada.


Nhãmãrrure Stxutér Pury (Felismar Manoel)




sábado, 9 de janeiro de 2021

2 - Memórias Pury – Gemúmae Pury - Dentes, instrumentos da saúde – Djêa tipímo

 

Lembranças de minha aldeia rural/Gemúnae unhúm birruã ambó-goára (gaambó-goára).


Memórias da Aldeia Rural Pury de Fazenda dos Gregórios em Cruzeiro, Distrito de Tuiuitinga, Município de Guiricema, Zona da Mata, Estado de Minas Gerais, Brasil.


por Nhãmãnrure Stxutér Pury (*)

(Felismar Manoel)


(*) O texto pury está escrito conforme a pronúncia percebida, usando os recursos do português brasileiro.



A Saúde da Boca – Tipímo-Txoré (Tipímo unhúm Txoré)

Dentes, instrumentos da saúde - Djêa Tipímo.



Uma curiosidade – Quando um dente de leite de uma criança já estava mole, fácil para ser extraído, um adulto amarrava uma linha nele e pedia a criança para manter a linha esticada, enquanto isto, outra pessoa procurava provocar um susto na criança, que, com o impacto sentido, acabava por arrancar o dente de leite sem a criança nada de grave sentir, sendo que quando era o primeiro dente extraído, ele era jogado acima, sobre o telhado, ou outra cobertura, para que o rato o carregasse e então, o lamã (espírito) protetor dos dentes , trouxesse um outro dente novo para a criança nativa das florestas (indígena).


Desde bem cedo se cuidava da saúde dos dentes das crianças, pois o sistema de tratamento da saúde do povo pury considera os dentes como instrumentos para a saúde (Djêa tipímo), bem como a boca (txoré) e os lábios (txé, txéa), por isso, na época do frio, lavava-se às mãos, e com a polpa do dedo limpo, molhava-o no azeite com malva cheirosa e espalhava-o nos lábios para proteger.


O azeite da mamona era produzido pelo povo pury e era aquecido com folhas de malva cheirosa, ou com flor do algodoeiro, deixando esfriar, quando então se retirava as folhas ou flores, e guardava-o para uso na proteção com o unguento labial (buzunto txéa).


Com frequência lavava-se a boca, fazendo bochechos com água de hortelã e casca de juá vermelho ou amarelo. Quando se comia pequenos pássaros ou outros pequenos animais assados (os que não olham para o céu de Dokóra), se ficassem detritos da comida entre os dentes, usava-se o fio de guaxima para passar entre os dentes e retirar tais resíduos, sempre usando os bochechos com água de hortelã e juá. (A guaxima é um tipo de malvona muito comum nas regiões próximas as florestas, sendo utilizada suas fibras para confeccionar diversas peças de uso nas famílias pury).


Toda fase da lua crescente, desde os sete anos, os puris escovam seus dentes esfregando a casca do juá e depois usando uma pequena escova, tipo vassourinha, feita com um ramo descascado e macerado com pancadas de madeira, para separar suas fibras e no final enxágua a boca com bochechos de água ou chás de hortelã. Essa pequena escova ou vassoura para os dentes, é feita de um abundante e diversificado vegetal genericamente chamados de “vassouras”, ainda existente na minha atual região (não sei qual é a sua classificação botânica).


Usava-se também esfregar o pó de carvão vegetal com a polpa do dedo nos dentes, usando retalhos de bucha vegetal, para retirar as placas amareladas das superfícies dos dentes, sempre usando água corrente e enxaguando com a água de hortelã.


Diariamente, antes de dormir, o adulto pury examina a boca e os dentes com seu dedo, coloca água de hortelã e esfrega as gengivas, após cuidar de seus dentes. Não conheci cáries dentárias entre os nativos que vivenciavam só a cultura pury, mas outros com hábitos de comer os doces dos brancos, apareciam os dentes estragados, inclusive as dores dos dentes, que eram tratadas com fumaça do fumo de rolo queimado nos “pitos de barro” construídos de cerâmica pury, incidindo o fluxo da fumaça na região do dente estragado; quando havia as dores de dentes, sem dente estragado, se usava tomar o chá de cravo (tempero de cozinha).

A água de hortelã podia ser substituída pelo extrato alcoólico de hortelã, produzido no sistema de tratamento de saúde pury (Florália Pury), misturado com água.



segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

1 - Memórias Pury – Gemúmae Pury - Lembranças de minha aldeia rural/Gemúnae unhúm birruã ambó-goára (gaambó-goára).

 

Memórias da Aldeia Rural Pury de Fazenda dos Gregórios em Cruzeiro, Distrito de Tuiuitinga, Município de Guiricema, Zona da Mata, Estado de Minas Gerais, Brasil.


por Nhãmãnrure Stxutér Pury (*)

(Felismar Manoel)


(*) O texto pury está escrito conforme a pronúncia percebida, usando os recursos do português brasileiro.



Estratégias Aprovadas no Terceiro Encontro de Lideranças Puris da Zona da Mata, em Goianá (ou com goianáe)



Conforme a sabedoria dos mais velhos (Trirronára leká Tarréa iu Antáre), eram construídas nossas memórias de identidade e caráter, para nutrir e sustentar nossos ideais no mundo de Dokóra, protegidos por Tupã. Assim, cumpre-me narrar:


Txina Pury foi o Opê-Antár de minha Aldeia Rural(Ambó-Goára); ele nasceu cerca do ano 1848, pertencente a mesma Aldeia Florestal (Tistxoré-Goára) de minha bisavó Perruã Pury (Indira Pury – nome adotado quando capturada), que viveram na região de Rio Pombas. Seus clãs familiares eram do Vale das Ervas Curativas (Dotapá Muúm unhúm Sponge-ndondea), mais ou menos na região de Ervália, que desceram o fluxo do Rio dos Bagres, fugindo da perseguição dos brancos colonizadores por aquelas bandas; habitaram por todas as margens do Rio dos Bagres, indo até o Rio Xopotó e daí ao Rio Pombas.


Todas essas regiões eram moradias dos puris, dos coroados e dos coropós, parentes originados em passado muito distante, dos indígenas goitacazes, dos quais se separaram por desavenças internas, por rixas, por desentendimentos entre famílias intra-étnicas, optando por construírem seus próprios destinos, embora mantendo muita proximidade entre puris e coroados, os quais conviviam e se auxiliavam mutuamente, tendo havido, entretanto, certo desentendimento entre puris e coroados nas aldeias do Rio Pombas, após a chegada dos invasores colonizadores nessa região específica, mas cultivando amizades e apoios com outras aldeias, com congraçamento constante entre puris e coroados da região de Ubá, Guidoval, Visconde do Rio Branco, São Geraldo, Guiricema, Miraí e comunidades das cercanias, todas elas participantes do terceiro encontro de lideranças puris, quando buscavam planejar estratégias de enfrentamento contra as adversidades surgidas pela convivência com os brancos invasores.


Em busca de estratégias para enfrentamento contra as agressões dos invasores dos territórios, o Povo Pury realizou encontros de lideranças das aldeias, tendo dois desses encontros falhados em seus propósitos, porque houve penetração de puri do mal (puri bugre) que delatou os objetivos, motivando agressões ao nosso povo. Cerca de 1903, aconteceu o terceiro encontro dessas lideranças puris, com a participação do povo de Miraí, Muriaé, Guiricema, Visconde de Rio Branco, Guidoval, São Geraldo, Ubá e Ervália, desta vez com Goianá, sem a presença de bugres, não sabendo ao certo, se foi gente goianá (amigo dos estrangeiros), ou a localidade Goianá.


Desse encontro ficou decidido montar estratégias para introduzir os jovens puris nas escolas formadoras dos brancos, para que adquirissem suas expertises e as utilizassem nos postos de serviços dos brancos, no sentido de proteger os indígenas puris e de outras etnias. Ficou assim decidido:

1 – Que se organizem as aldeias rurais (ambó-goárae), mais abertas, acolhendo comunidades de famílias puris da região, mesmo dispersas, mas com fidelidade aos costumes puris;

2 – As crianças (sámbe) sejam instruídas pelas mães (inhãe), os Preceptores (Opê-Tarréa); os jovens e os adultos procurem sempre ouvir o conselho dos mais velhos (Tarreára) para as tomadas de decisões; que todos privilegiem as decisões do Opê-Antár de cada aldeia;

3 – Que cada aldeia se dedique a desenvolver de modo específico a alguma expertise da sabedoria pury, visando influenciar os brancos invasores e outros não indígenas, procurando preencher as lacunas de suas necessidades ou vulnerabilidades.

4 -Observo eu, que falharam em duas estratégias não cogitadas, assim colaborando para o agravamento da situação dos indígenas puris:

a) – Não se pontuou nenhuma defesa de posse local, nem requereu e delimitação do território aos puris.

b) – Não se pensou em manutenção e domínio dos falares e fazeres puris, mesmo em situações adversas, para que se continuasse a pensar em puri, visto que a linguagem oportuniza a prática do pensar.


Eu fui protagonista, interagindo em três aldeias rurais: a da minha própria moradia de Fazenda dos Gregórios, em Cruzeiro; a de Tuiuitinga(*); e a do Pé da Serra de Tuiuitinga. - (*) Em língua pury os “pássaros verdes” da família periquitos são chamados TUIU ou TUIM, e “localidade preferida”, é chamada de ITINGA, por isso se atribui que o nome TUIUITINGA seja porque essa localidade era a mais preferida por esses pássaros – Essas três aldeias rurais se dedicaram ao desenvolvimento de expertises da sabedoria pury, conforme as decisões aprovadas no terceiro encontro de lideranças pury. Assim:


a) A minha Aldeia Rural (Ambó-Goára) da Fazenda dos Gregórios se dedicou ao desenvolvimento da medicina pury, na qual recebi treinamento, cuidando do cultivo das plantas curativas e preparo dos remédios a partir das ervas e alguns resíduos animais, produzindo os extratos alcoólicos, as botijas e tsanas de bambus apropriadas, bem como seu escalonamento em diluições adequadas até o terceiro nível de fortalecimento, instruindo aos populares como usar os banhos florais e folhais para os estágios emocionais alterados geradores de doenças, e aos curadores (opê-ndondea), a interpretação dos estados de enfermidades e o uso adequado das soluções para tratamento;


b)A Aldeia Rural de Tuiuitinga que eu às vezes visitava, que se dedicou a treinamento de jovens inteligentes e audazes, para a partir do domínio de conhecimento de suas expertises técnicas, aprendidas em suas escolas e treinamentos, dialogarem com tais especialistas brancos, em possível pé de igualdade, sobre nossos saberes pury. Disto resultou fixar moradia em Tuiuitinga, tratadores de doenças (txarré-ndondea), tratadores de animais (txarré-txamae), medidores de terra/solo térreo (kuruíndô-atxéa), conhecedores do solo/adequação do solo ao cultivo (opê-atxéa);


c) A Aldeia Rural do Pé da Serra de Tuiuitinga, onde fui professor municipal das crianças, aldeia essa que se dedicou a promover experiências com as plantações agrícolas, visando adequação de plantas a qual tipo de solo, bem como formas de armazenamento seguro da produção de grãos, para seu uso adequado no tempo que necessitasse, surgindo diversas técnicas de conservação contra bichos;


d) Constava ainda, mas eu não visitei, a Aldeia Rural de Guidoval, voltada a produção dos artesanatos pury; em Ervália uma Aldeia Rural dedicada a selecionar o cultivo de plantas curativas de doenças e “malidades” que atacassem a população. Informavam ainda que em Miraí, Muriaé, Manhumirim e outras regiões do estado do Espírito Santo, estavam se dedicando a divulgar nossos instrumentos musicais puris, como flautas, tambores, chocalhos e violas, inclusive divulgando a plantação de taquaras e tabocas. Não visitei esses locais para conferir.


Tenu-arri Dokóra que me permitiu essas experiências de vida! Tenu-arri Tupã por ter me protegido durante esses meus 82 anos de existência aqui na Utxô. Sua benção Dokóra/Ksapernhé-tinxú Dokóra! Sua benção Tupã/Ksapernhé-tinxú Tupã! - Nhãmãnrrure Stxutér Pury/Felismar Manoel – Duque de Caxias, RJ. 28/12/2020.







quinta-feira, 29 de outubro de 2020

As Pukitanas Pury

 

Ho Puky! O Grito de Afirmação Étnica de um Povo

Nhãmãrrure Stxutér / Felimar Manoel



 “As Pukitanas Pury”. Assim era conhecida pela população, o grito de afirmação étnica pury; à medida que foram desestruturadas as organizações das aldeias pury rurais, ainda se conservou por algum tempo, nas regiões cercanas de Cruzeiro (a vila), Pé da Serra de Tuiuitinga e na Sede Distrital de Tuiuitinga, os costumes das festas e festivais pury, com suas danças, suas comilanças e seus cantos.


Quando durante os cantos e canções se pronunciava o “Ho Puky”, todos os puris dispersos e presentes na multidão, emitiam seus gritos de afirmação étnica, em um uníssono ondulante e agudo. Beleza de se ouvir! Quem nos dera ouvir de novo! Pois cantantes de “ho puky” já os temos novamente entre nós. O grito de afirmação étnica pode ser interpretado como um ondulante alarido de todos os puris, em uníssono, em grito agudo, característico de nossa etnia. Infelizmente não consigo mais reproduzí-lo, em virtude de ter sido acometido de uma neuropatia idiopática que me produziu um desvio labial esquerdo, que não mais me permite assobiar (assoviar), ou fazer o alarido agudo de nossa afirmação étnica, que o povo denomina de “grito de guerra”.


Em 1957, em Cruzeiro, por ocasião da “dança dos caboclinhos”, em homenagem a São Sebastião, dentro da capela da vila, quando meu opê-tarré, que dirigia a roda de dança, quando ele bradou o Ho Puky, quase não mais se percebeu, além de mim, o nosso grito de afirmação, e isto por dois motivos, conforme foi possível constatar:

* alguns silenciaram por medo de perseguições, e outros, emudeceram o seus gritos, porque já começavam a assimilar a versão dos inimigos, a versão dos bugres, de que ser pury, ou ser índio, era ua condição inferior, de atraso intelectual, ou fraca inteligência. Foi muito triste constatar, mas não o suficiente para eu desistir.


Continuei me afirmando pury, com consciência e ufania de o poder ser, como aprendi com minha inhã (mãe), meu opê-tarré (instrutor) e nosso opê antár (chefe ancião da aldeia). Um apelo aos artesãos dos saberes puris e cantantes de nossas canções do agora: Cantem e dancem embalados por nossas canções e resgatem por nossas canções, a nossa afirmação étnica, produzindo o entusiasta alarido, agudo e ondulante de nosso Ho Puky! Tenu-arrí!


segunda-feira, 19 de outubro de 2020

VOCAÇÃO SACERDOTAL EM PARADOXO

 

Abuna Philoseleos / Felismar Manoel

Mosteiro Compaixão Sagrada

Ancianato Monasterial
19/10/2020


Nos dias atuais tenho percebido um certo paradoxo nas vocações sacerdotais surgidas, sejam no grau presbiteral ou no grau episcopal, pois os candidatos a tais gráus de Ordem, se apresentam com bastante pressa para que se marque as cerimônias de ordenação, mas, por outro lado, oferecem uma sistemática resistencia a se investirem na formação adequada, seja do ponto de vista intelectual, filosófico, ou teológico; apresentam sentido esmerado na aquisição de indumentárias e vestes litúrgicas, quase sempre preferindo as mais pomposas.


Afirma um antigo adágio que “não é o hábito que faz o monge", mas aqui, nesse presente contexto, o que tem sido verificado é o contrário, pois existem clérigos suntuosos e ricamente vestidos, mas que não são capazes de sustentar quase nenhuma reflexão filosófico-teológica com bases fundamentadas na exegese e hermenêutica bíblica , quer em eclesiologia, teologia do culto, teologia pastoral, ou mesmo vida espiritual cristã; os principais doxas denominacionais são ignorados, comprometendo até mesmo os artigos de religião que fornecem bases às identidades de suas denominações.

É preciso fortalecer o foco e conscientizar os candidatos às Ordens Sacras, sobre a questão da responsabilidade de um pastor e sacerdote, que orienta e assiste às suas respectivas comunidades, nas quais existem pessoas com graus diversos de problemas, que buscam orientações com tais lideranças religiosas, mas que são possivelmente bem mais instruídas que os referidos clérigos reitores de suas comunidades religiosas; geralmente se tornam clérigos muito bem vestidos liturgicamente, mas quase vazios de intelectualidade e humanidade.

É preciso que todos se conscientizem, que os vocacionados devem passar por um período de testagem na sustentação dos seus ideais de busca pela experiência ministerial cristã, pois esse ministério exige responsabilidade para com a vida de outras poessoas; passado esse período probatório vocacional, passa-se para o estágio de formação propedêutica, quando se aprende e testa o ajustamento do caráter e temperamento para a vida espiritual religiosa e clerical, de acordo com o carisma de sua instituição; uma vez aprovado no estágio propedêutico, passa-se a formação formal humana, intelectual e acadêmica, com certas bases filosóficas, para uma razoável arte de pensar quaisquer questoes; segue-se também, uma razoável formação teológica, que fundamente a vivência de espiritualidade religiosa, litúrgica, comunidade e social. A partir desses pressupostos, justifica-se as ordenações sagradas, para as diaconisas, diaconos e presbíteros (padres, efemeritas e pastores, deixando claro que, a função episcopal, deve ser decidida pelas instituições eclesiásticas, por isto aconselhável que seja consagrado por dois ou três bispos, embora seja válida a ordenação conforme as rubricas feita por um só bispo, quando as circunstâncias assim o exigir.


Existem superiores de ordens ou congregações religiosas, ou mesmo campos missionários, que exigem suas administrações e governos por um presbítero consagrados na ordem episcopal, para assumirem de modo progressivo o pastoreio pleno de suas comunidades, quer como Superior Episcopal sobre pessoas e coisas de uma Ordem ou Congregação, como Abade Episcopal sobre pessoas e coisas entre os muros de uma instituição, ou como Arcipreste Episcopal sobre pessoas e coisas em um campo missionário.



Não creio ser conveniente continuarmos ordenando padres e sagrando na ordem episcopal, candidatos sem passar pela propedêutica apropriada, preceptoria comprovacional e estágios tutoriais atestatórios de espiritualidade efetiva e de um aceitável padrão de vida eclesial junto às comunidades.



Temos um enfrentamento dificil, mas o vejo como caminho para termos clérigos agiornados com nossas realidades e propostas próprias de nossas instituições.



Que Deus nos ajude.
Abuna Felismar Manoel.